*MIRA
Origem obscura.
Ao potamónimo português Mira (Beja) tem-se atribuído origem pré-latina, integrando-o num conjunto onomástico amplo, mediante as seguintes vias (Pedrero_1996, p. 370-372 apud Guerra_1998; ver também Moralejo_HidronPrerroman, p. 68): a) uma raiz *meir/*moir-/*mir-, possível junção de um sufixo *-r à raiz indo-europeia *mei-, ‘viajar, errar’; b) o mesmo radical do latim mirus, ‘assombroso’; c) um formante relacionado com o latim merus, ‘puro’; d) o adjetivo *meiros, cujo radical se encontraria no antigo eslavo miru, ‘paz’ e no albanês mirë, ‘bom, formoso’. Contudo, a relação entre Mira e os referidos morfemas de origem indo-europeia pode não passar de simples caso de homonímia. Leite de Vasconcelos (cf. Lições_LVasconcelos p. 328 e LVasconcelos_1905 p. 236, n. 1) atribui ao potamónimo origem pré-latina, nele identificando o formante Miro- do topónimo romano *MIROBRIGA ou Miróbriga, em Santiago do Cacém (ver também Búa_ToponimiaPrelatina, p. 223). A forma Odemira, em variação com Mira (ribeira de Odemira, em fontes seiscentistas) e usada também como topónimo (vila de Odemira, Beja), é muito provavelmente um composto híbrido, formado por WĀDĪ, e por Mira, elemento que, não se enquadrando no árabe, torna plausível a transmissão, mas não a origem, latino-romance.
A dispersão geográfica de Mira pode também reforçar a probabilidade de os topónimos com esta forma não constituirem uma série de cognatos. No caso do topónimo português Mira (Coimbra), J.-M. Piel relacionou-o com a antroponímia germânica, por intermédio do radical MER-/MIR-, do gótico mêreis 'famoso', mas não excluiu uma filiação românica, no verbo mirar 'olhar intensamente, com atenção' (HGP, p. 204). Não é descabida a relação com mirar 'olhar intensamnte, fixamente', pois as necessidades de defesa militar medieval motivou a criação de pontos de vigia com diferentes apelativos que vieram a fixar-se como topónimos, como é o caso de Miralhos (Viana do Castelo), Mirallos (Corunha, Lugo e Ourense) e Mirallo (Oviedo), de MIRACULU 'vigia, atalaia' (cf. Top_Rec). Pode ainda sugerir-se uma relação de Mira com MĪRANDA, que agrupa vários cognatos peninsulares – os exemplos mais salientes serão Miranda de Ebro (Burgos), Miranda do Douro (Bragança), Miranda do Corvo (Coimbra), Mirandela (Bragança) (cf. DicMadoz e Costa_DicCorPort) –, se se aceitar que estes topónimos partilham o radical de mirar.
Em Portugal, além de ocorrer no Alentejo e na costa do distrito de Coimbra, a forma Mira aparece ainda como topónimo também nos distritos de Viana do Castelo, Porto e Santarém (neste último distrito, sob a forma composta Mira de Aire). Na Galiza, na província da Corunha, regista-se Mira em Coristanco e Zas, e, na província de Ourense, em Cenlle e Coles (NG). No restante território peninsular, mencione-se ainda Mira, na província de Cuenca (cf. DicMadoz).
Redação: Carlos Rocha